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A boneca que nunca sorriu

19 octubre, 2024

O dia em que Lucía encontrou a boneca no sótão de sua avó, uma estranha sensação percorreu seu corpo. Era uma boneca de porcelana, com um vestido de renda desgastado e grandes olhos que pareciam segui-la a cada movimento. Seu rosto era sereno, mas sua expressão nunca mudava; sempre parecia sem expressão, como se um segredo sombrio estivesse escondido por trás de seu olhar.

No começo, Lucía ficou encantada com sua descoberta. Decidiu levá-la para seu quarto, onde a colocou na prateleira ao lado de outros objetos que traziam de volta memórias de sua infância. No entanto, à medida que os dias passavam, ela começou a sentir uma crescente inquietação. A cada hora passada na casa, a atmosfera se tornava mais densa. A boneca, que antes parecia inofensiva, começou a parecer perturbadora. Sempre que entrava em seu quarto, sentia o olhar da boneca se intensificando, como se estivesse a observando com julgamento.

Uma noite, enquanto tentava dormir, foi acordada por um suave sussurro. Sentou-se na cama, com o coração acelerado, tentando identificar a fonte do som. Não havia nada de extraordinário, mas o sussurro persistia, parecendo vir da boneca. A voz era sutil, quase como um eco de pensamentos reprimidos. “Ajude-me,” disse.

Lucía levantou-se, aproximando-se da boneca, sua mente cheia de dúvidas. “Ajudar você? Como?” perguntou em voz alta. Assim que fez isso, a temperatura do quarto parecia cair. A boneca, impassível, continuou a encarar, e o sussurro se transformou em um grito quase inaudível que ecoou em sua mente. “Libere-me.”

Torturada pela revelação inquietante, Lucía começou a investigar a história da boneca. Descobriu que ela pertencera à sua bisavó, que era conhecida em sua vila por suas práticas estranhas. Diziam que a boneca era um recipiente para espíritos, um objeto que continha a tristeza de sua família. Em sua busca, encontrou um diário desgastado que falava de rituais sombrios e um pacto com o desconhecido. Ao ler, entendeu que a boneca havia sido um presente para sua bisavó, uma tentativa de capturar sua felicidade, mas havia falhado, tornando-se um objeto de sofrimento.

A partir daquele momento, a boneca deixou de ser apenas um objeto decorativo e se transformou em uma presença opressiva em sua vida. Lucía sentia-se constantemente observada, e os sussurros em sua mente tornaram-se mais insistentes. Ela não podia ignorar que a boneca estava imbuída de energia negativa. Começou a experimentar episódios estranhos; seus sonhos estavam repletos de visões inquietantes de sua bisavó chorando, presa em um ciclo de desespero, uma história sem fim que se repetia.

Uma tarde, incapaz de suportar a angústia por mais tempo, Lucía decidiu se livrar da boneca. Levou-a para a floresta próxima e a enterrou em uma clareira, buscando se libertar de sua presença. No entanto, ao voltar para casa, a atmosfera estava ainda mais opressiva. As luzes piscavam, e uma sombra escura parecia se mover nos cantos de sua casa.

Naquela noite, enquanto tentava dormir, um grito dilacerante ressoou em sua mente. “Não me deixe!” A voz da boneca atravessou-a como um relâmpago. Ela sentou-se na cama, com o coração disparado. Sabia que não poderia escapar. Levantou-se e, atraída por uma força inexplicável, retornou ao lugar onde havia enterrado a boneca.

Ao chegar à clareira, encontrou a boneca em pé, como se nunca a tivesse enterrado. A lua iluminava seu rosto impassível, e Lucía sentiu um frio arrepiante percorrer sua espinha. “Eu preciso de você,” sussurrou a boneca, e naquele momento, Lucía entendeu que a boneca não estava apenas presa, mas ela também estava. A escuridão a cercava, e sua vontade se desvanecia, aprisionando-a em um ciclo eterno de desespero.

No final, a boneca sorriu pela primeira vez enquanto Lucía se juntava às sombras de seu passado, tornando-se mais uma das almas perdidas que habitavam dentro dela. A história da boneca continuaria, esperando pela próxima alma curiosa para levá-la para casa.